domingo, 24 de abril de 2011

Santos peregrinos mantém cultura católica das comunidades tradicionais do Prado


Há mais de dois centenários que uma tradicional festa cultural católica faz parte da vida de diversas gerações de famílias nos municípios praianos de Caravelas, Alcobaça, Prado, Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, principalmente em Prado, de onde partem todas as esmolas perambulantes com seus santos peregrinos, que passam 5 meses viajando de casa em casa dando benção às famílias e promovendo cantorias de reis tradicionais.
Da cidade do Prado, há quase 300 anos, desde que o local era comunidade demarcada da província de Porto Seguro, santos tradicionais como São Sebastião, Nossa Senhora do Rosário, Divino do Espírito Santo e mais recente São Benedito com 188 anos de peregrinação, partem todo o mês de novembro da cidade do Prado em direção a todas as comunidades tradicionais católicas dos municípios da costa do descobrimento.


Uma equipe do Teixeira News acompanhou por três dias a esmola peregrina da Pomba do Divino Espírito Santo, quando a romaria do santo visitava as comunidades do córrego do Ibassuaba e Foz do Rio Cahy na região de Cumuruxatiba, litoral norte do município de Prado. São muitas cantorias e um grupo de pessoas se desloca cantando e tocando instrumentos musicais fazendo uso de temas religiosos, referindo-se principalmente ao nascimento de Jesus e visita dos Reis Magos. A chegada das folias em uma residência é cercada por rituais. A bandeira sempre vai à frente, carregada pela moradora da residência anterior, que entrega à dona da casa do próximo imóvel onde a folia se alojará. E o santo é carregado pelo esposo, seguindo o mesmo ritual de passar para o próximo morador.
Os primos Edson Robson dos Santos, 25 anos, e Reginaldo Cancela dos Santos, 39 anos, estão este ano encarregados pela folia do Divino do Espírito Santo, que trata-se da romaria ambulante mais antiga da região com 328 anos de tradição, embora, há 14 anos, não saia da cidade do Prado. Os primos partiram com a Pomba do Santo em novembro passado da sua paróquia em Prado, sob a benção do Padre Ariston Domingues de Araújo e deverão chegar de volta ao Prado no dia 17 de Abril de 2011. Edson saiu na folia de São Benedito por 6 vezes e este ano resolveu acompanhar a esmola do Divino. Já Reginaldo tem 19 anos de tradição em vários santuários ambulantes e é a segunda vez que sai na peregrinação do Divino.




A família Guedes Borborema, uma comunidade tradicional formada por caboclos e índios nativos da região do córrego do Ibassuaba, em Cumuruxatiba, preserva todos os anos a tradição de receber todos os santos peregrinos, onde cada filho da comunidade abriga por um dia a esmola em sua casa e com apresentações diárias. A comunidade Guedes Borborema começou a ser formada nesta localidade em 1931, quando o caboclo nativo de Cumuruxatiba, Lúcio Guedes da Silva e sua esposa, a índia nativa da aldeia da Borborema no Pernambuco, Madalena Nunes Borborema, se casaram, ele com 17 anos e ela com 13 anos, onde tiveram 20 filhos, 78 netos e 66 bisnetos, e hoje forma um povoamento tradicional de caboclos produtores rurais e pescadores, todos católicos com mais de 600 habitantes numa área de 10 alqueires de terra, ramificados da mesma família.
A matriarca da família Madalena Nunes Borborema morreu aos 83 anos no dia 28 de novembro de 2002 e o patriarca, Lúcio Guedes da Silva, morreu aos 93 anos no dia 08 de maio de 2007. Mais filhos, netos, bisnetos e seus respectivos descendentes mantém a tradição na família de receber todos os anos, todas as cantorias católicas que passarem pela comunidade. Este ano, tão logo o Santo São Benedito passou pelo povoamento, foi à vez da Pomba do Divino do Espírito Santo e mais uma vez, seus foliões receberam a tão esperada receptividade.




Para o folião Edson Robson dos Santos, existem lugares onde eles passam que as pessoas batem com a porta na cara do santo e dos seus acompanhantes, mas em 90% dos casos onde a visita é pela primeira vez, os moradores recebem muito bem o grupo. As pessoas ajudam contribuindo principalmente com prendas: frango, leitoa, boi e até com dinheiro. Essas doações ajudam a realizar as apresentações e a manter a folia peregrinando. Mas, Reginaldo Cancela dos Santos, lembra, que se o morador não puder colaborar, não tem problema. “Nós cantamos do mesmo jeito”, afirma. Durante a cantoria, a bandeira do santo é levada pelos diversos cômodos da casa para abençoar o imóvel.
“A tradição da folia é familiar aqui na comunidade dos Guedes Borborema. Eu talvez fosse o filho mais distante da folia, mas antes do meu pai morrer ele passou a bandeira de São Benedito para mim por uma ocasião da visita da sua romaria em nossa casa. Só quando o papai faleceu, entendi que aquele gesto fosse um desejo dele, e este ano é a terceira vez que acompanho a folia de São Benedito. Posso garantir que a atitude de acompanhar o santo e aprender a tocar instrumentos, mudou a minha vida e comei a ver o mundo de outro ângulo e dá mais importância para as coisas de Deus”, disse o produtor rural Valdomiro Guedes Borborema da Silva, de 66 anos.

A animação não esconde a preocupação com a continuidade do costume de se festejar a chegada dos santos peregrinos nas comunidades tradicionais. “Poucos se interessam, só os mais velhos, mas nós queremos ensinar para outras pessoas a também valorizar esta cultura”, lamenta a produtora rural Carmelita Guedes Borborema da Silva. Segundo ela, não é fácil ensinar a alguém de fora da comunidade, que não conhece a tradição. Ela acredita que saber cantar ou tocar para acompanhar a folia é um dom de Deus.







“Meu esposo era apaixonado pelas folias e preservava esta cultura folclórica como ninguém. Embora a folia e suas marujadas nos façam lembrar muito ele, que faleceu prematuramente em 22 de maio de 2009, aos 55 anos, mesmo assim, procuramos manter a tradição da nossa família em Cumuruxatiba”, relata dona Carmelita. No entanto, acrescenta esperançosa, que muitas crianças que acompanham a folia demonstram gostar da atividade. “É a nossa tradição, nós gostamos muito. As mulheres, as crianças, todo mundo respeita e tem amor pela festa do mastro de São Sebastião de Cumuruxatiba em 20 de janeiro e pelas visitas dos santos romeiros em nossas casas”, concluiu.

Por Ronildo Brito (Site Teixeira News)

Nenhum comentário:

Postar um comentário